domingo, 4 de janeiro de 2009

Cinema de Horror: Sonhe Com os Anjos

Se dissermos que “arte” é qualquer unidade de trabalho criativo na qual um público recebe mais do que dá (uma definição liberal de arte, claro, mas não vale a pena ser muito seletivo nessa questão), então acreditamos que o valor artístico que o cinema de horror oferece com maior freqüência é a sua habilidade de formar uma conexão entre nossa fantasia sobre o medo e nossos verdadeiros medos. Poucos filmes de horror foram criados com a “arte” em mente; a maioria é concebida pensando somente no lucro. A arte não é criada conscientemente, é, ao invés disso, expelida, do mesmo modo que lixo atômico libera radiação.

Assim vamos sempre retornar ao conceito de valor – da arte, do mérito social. Se os filmes de horror têm um mérito social que os redima, isso se dá graças à sua habilidade de formar elos entre o real e o irreal – de fornecer subtextos. E em função de seu apelo às massas, esses subtextos assumem freqüentemente uma dimensão cultural.


Em muitos casos, particularmente nos anos 50 e novamente nos anos 70, os medos expressos são sociopolíticos por natureza, fato que dá a filmes tão diferentes quanto Invasores de Corpos (sobre alienígenas que manipulam terráqueos em busca do domínio do planeta Terra) e O Exorcista (sobre uma possessão demoníaca), uma sensação de documentário estranhamente convincente. Quando os filmes de horror mostram suas várias facetas sociopolíticas, eles estão quase sempre servindo como um barômetro preciso de tudo aquilo que perturba o sono de toda uma sociedade. Os filmes e livros desse gênero sempre foram populares, mas a cada dez ou vinte anos eles parecem desfrutar um ciclo de maior popularidade e interesse. Esses períodos parecem quase sempre coincidir com épocas de grande tensão política e/ou econômica e estes filmes parecem refletir isso á flor da pele.


Podemos dizer que a década de 1990 foi um período de menos interesse pelo horror (a década de 40 também), ao contrário do que acontece na década atual que usa o horror cinematográfico para expulsar seus principais medos, que já se configuraram como os extra-terrestres e suas “iminentes” invasões nas décadas de 50 e 60 (período no qual foram lançados ao espaço pela primeira vez satélites e homens, estes que supostamente em 1969 teriam chegado à Lua); como fantasmas, demônios e coisas-que-o-homem-não-deveria-saber-que-existem na década de 70; nos clássicos monstros da literatura (Frankenstein, Drácula e Lobisomem) e cientistas loucos nas décadas de 20 e 30; e hoje se apresentam como a desconstrução da beleza, afinal, vivemos em um cenário repleto de andróides construídos a base palms, pagers, celulares, mp3, mp4 além de muito silicone. Filmes como “A Casa dos 1000 Corpos”,de Rob Zombie, e “O Albergue”, de Eli Roth, que montam e desmontam rostos e corpos com a mesma habilidade que uma criança com problemas na coordenação motora cria seus bonecos com peças de lego, se consolidam como clássicos do horror do século XXI., o horror que traz a deformação como “agente assustatório”.

No entanto, não se deve ver o cinema de horror e seus admiradores como amantes da morte, do grotesco, do arabesco e da aberração. O cinema de horror tem o importante papel de filtrar nossos medos e joga-los fora, de oferecer mesmo que por poucos instantes a sensação de perigo e elevar ao máximo a produção de adrenalina do organismo, transparecendo que, naquele momento seríamos capazes de fazer qualquer coisa pela vida. O cinema horror é sim, um amante da vida.



(Texto originalmente publicado na revista EM CÔMODOS; nº4; outubro de 2007)

2 comentários:

Lucas disse...

Ótimo texto.

Faz uma análise bastante lógica do terror no cinema, pena que tem como exemplificação apenas o cinema americano.

O terror é uma das formas de libertação pelo cinema (Quando bem feito). Eu gosto, às vezes.


Abraço.

Lucas Lopes disse...

Verdade Lucas, não é só o cinema americano que produz excelentes filmes de horror. Nos ultimos anos o cinema asiático está com tudo. Prometo em breve colocar um post sobre o horror oriental. Obrigado pela crítica.